PISTAS PARA O TESOURO

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Chantagem deliciosa


Demasiado bêbada para se lembrar da taxista deficiente e do seu insinuante elogio, Sofia chegou a casa e dormiu muitas horas seguidas. A ressaca foi absorvida pelos seus sonhos inquietos e desconexos e, por isso, acordou bem-disposta. Feliz, até. Quando estava a tomar um pequeno-almoço muito tardio, com a mente dividida entre a taxista e Marta, tocaram à porta. Era uma mulher, quase uma rapariga, a vender colares, cuja artesã era a própria. Eram bonitos, sobretudos se observados na mão da sua criadora e vendedora – uma mulata magra, mas bela e repleta de curvas sensuais. Sofia convidou-a a entrar e mostrou-se interessada nos colares. Ofereceu-lhe um sumo de laranja e, no meio de algumas perguntas sobre os preços e a variedade de cores e formas, perguntou se se podiam tratar por tu. Enquanto experimentava os colares, diante de um espelho que tinha ido buscar, foi direita ao assunto:
- Olha… Eu não costumo ser assim tão directa e rápida e tenho dúvidas que isto seja muito ético… Para falar verdade, tenho a certeza que é errado, mas…
- O que estás para aí a dizer? Vais roubar-me os colares?
- Não, não… Compro-te os colares todos, se fizeres amor comigo.
A mulata riu com um riso quase tão deslumbrante como o de Marta e disse:
- Que chantagem deliciosa! É como se me pagasses a dobrar… Que digo eu? Linda como és, é como se pagasses dez vezes mais! Porque é que disseste que é errado?
- Quer dizer que aceitas?
- Minha querida, eu até pagava para ir para a cama conti…
Sofia interrompeu-a com uma carícia súbita nos cabelos e depois atraiu-a a si e colou os seus lábios aos dela.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Boca de metal

A rapariga que vendeu o jornal a Maria deu-lhe o troco juntamente com um simpático sorriso, dividindo a atenção entre o trabalho e o namorado que tinha acabado de chegar. Era bonita, mas tinha um aparelho nos dentes que fazia da sua boca um surpreendente buraco prateado e metálico, como se fosse uma fenda numa máquina. Maria ignorou a simpatia e o brilho de felicidade nos olhos da rapariga, ignorou o amor e a ternura que havia nos gestos do rapaz, esqueceu que conhecia ambos há anos, e, empurrada por um desejo de magoar e ferir não apenas aqueles dois jovens mas o mundo inteiro, vociferou raivosamente:
- Ouve lá ò Cecília Marreca: com essa serra que tens nos dentes de certeza que não consegues fazer um broche ao picha mole do teu namorado! E toda a gente sabe que essa é a única maneira dele endireitá-la por um bocadinho! Por isso… Para que são esses sorrisos felizes?
E saiu porta fora, sem esperar pela resposta do atónito casal e derrubando propositadamente uma pilha de revistas que esperavam a arruamção.

terça-feira, 20 de julho de 2010

O que é a vida?

"A vida é uma soda!"

Fócrates

(Li esta afirmação, e respectiva autoria, na porta de uma casa de banho masculina numa Universidade de Lisboa, lado a lado com pérolas literárias deste quilate: "O primeiro-ministro além de ladrão é maricas""A mãe do Zé faz uns broches do caralho!", "A Carolina Matias é a maior puta da Faculdade", "Rapaz bonito quer foder e ser fodido"...)

domingo, 18 de julho de 2010

Masturbação motorizada

Tomé meteu por uma estrada secundária. Levaria mais tempo a chegar, mas estava farto do trânsito e dos adeptos da velocidade que enchiam a auto-estrada. Além disso, a paisagem era mais bonita. A certa altura, numa estradazinha que atravessava um bosque viu ao longe uma mota que vinha na sua direcção. Não era bem uma mota, percebeu quando a distância diminuiu. Mais parecia uma simples bicicleta a que, alguém habilidoso, tinha acrescentado um motor. Trazia duas pessoas. Quando a distância permitiu distinguir pormenores, Tomé verificou que se tratava de um homem e de uma mulher muito altos e louros e que ambos pareciam estar nus. Tomé reduziu a velocidade para poder observar melhor e, ainda com espanto, verificou que a mulher - que ia sentada a atrás - tinha o braço estendido de modo a agarrar o pénis do homem. Estava a masturbá-lo! Tomé diminuiu ainda mais a velocidade e quando estava a cerca de dois metros do estranho par viu o esperma saltar abundantemente para o ar, indo cair no guiador da motorizada e no asfalto sujo da estrada campestre. O homem emitiu alguns gemidos de prazer misturados com palavras ditas numa áspera língua nórdica qualquer que Tomé conseguiu ouvir, apesar do barulho dos motores e do chilrear intenso dos pássaros. Quando passaram ao lado do carro de Tomé o homem e a mulher sorriram-lhe com simpatia e acenaram. Tomé correspondeu e, antes de acelerar e os deixar para trás, ainda teve tempo de ver um pouco de esperma a escorrer pela mão da mulher abaixo.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Uma nova vida

O coração do Guilherme estremeceu quando a viu entrar, muito atrasada, na primeira aula do primeiro dia de aulas na Universidade - e, esperava ele, na sua nova vida. O cabelo castanho claro em desalinho rodeava um rosto regular e moreno de mulher jovem que ainda não se convenceu completamente que já não é rapariga. Olhando outra vez, percebia-se que era um rosto muito bonito, habitado por uma beleza imensa e fora do comum, mas que não se impunha à falta de atenção e precisava de ser descoberta. Tinha um vestido branco discreto e largo que sugeria um corpo sensual, embora não revelasse nenhum dos seus segredos.
Havia poucos lugares vazios, um deles ao lado de Guilherme. Sentou-se e, depois de escutar durante alguns segundos a monocórdica explicação do professor sobre a bibliografia do tema B, virou-se e perguntou baixinho: “Começou há muito tempo?” Guilherme teve a sensação de que o sorriso que se seguiu à pergunta tinha enchido a sala de luz e de música. Era uma luz que, além de ser visível, podia ser tocada e era uma música que, além de se ouvir, desprendia aromas inebriantes. Guilherme sentiu que se quisesse poderia voar e que só não voava porque queria estar ao pé dela. Por isso, foi com atrapalhação que percebeu que a voz lhe saiu fanhosa e que a frase “Começou mais ou menos há 20 minutos” soara como um grasnado de pato.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Sem cura

Quando o médico lhe disse que estava quase, quase curada e suficientemente boa para ir para casa, Maria teve um dos seus impulsos maldosos e destrutivos, mas, ao reparar no seu rosto bondoso e enrugado pelos anos, conteve os insultos que pululavam na sua garganta e abafou na origem o desejo de lhe apalpar agressivamente o sexo. Foi arrumar as suas coisas com a cara lavada em lágrimas e em silêncio, indiferente às perguntas das enfermeiras. Quando pensou que “estava tudo menos curada” sentiu vontade de bater com a cabeça na parede e atirar-se pela janela. Mas algo a demoveu e não foi o facto de se tratar do 9º andar. Maria não queria perturbar rosto bondoso do velho médico.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Inatingível como a Lua

A nova colega de José era uma daquelas mulheres que fazem os homens virar a cabeça na sua direcção, mesmo que sejam pudicos ou amem muito as suas esposas. Tinha um rosto bonito e, aplicada a si, a expressão “corpo de sonho” deixava de ser uma metáfora gasta pelo uso e tornava-se uma descrição tão objectiva como dizer que as mulheres têm dois seios.
José ouviu os colegas comentarem milimetricamente as suas curvas e “o grande tesão” que sentiam ao vê-la - “fico sempre com uma erecção do caraças”, disse um com a aprovação dos outros todos.
O olhar de José também se afogava nos detalhes do corpo da colega e seguia os seus movimentos e maneios como se nela houvesse um íman para os olhos. Mas fazia-o sem a exaltação masculina e sem o orgulho viril dos colegas. Observava-a com um desejo envergonhado e sujo de tristeza. Em vez de uma veemente erecção ele sentia que, não só o seu pénis como também o seu coração, encolhiam. A visão daquele traseiro opulento fazia-o sentir pequenino, frágil e incapaz - “não tenho picha para aquilo”, murmurava, recordando o seu pénis flácido e indiferente ao corpo nu da esposa roçando-se no seu. Normalmente José só conseguia ter uma erecção se a esposa o chupasse. Isso fazia-o sentir-se desprezível: “As mulheres gostam de chupar uma picha porque a vêem grande, não gostam de chupar para a empinar”.
Passou um colega e disse: “Zé! Estás a chorar?!” José deu uma desculpa vaga relacionada com reacções alérgicas a um medicamento, mas a faísca que disparara as lágrimas fora o pensamento de que as suas erecções, além de difíceis de alcançar, serviam de pouco, pois a rapidez com que ejaculava condenava sempre a sua parceira à frustração.
José limpou as lágrimas com um lenço e encolheu-se sobre si mesmo. Sentia nojo de si próprio e, ao ver o seu reflexo na superfície espelhada de um armário, comparou-se a um papel amarrotado e sujo, tão peganhento e repelente que uma pessoa em vez de lhe jogar mão e pô-lo imediatamente no lixo vai antes buscar a pá e a vassoura.
“Não presto”, murmurou. Vista do buraco da sua vida, a linda nova colega de José era inatingível como a Lua.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Conversa entre dois psicólogos depois de fazerem amor

Um psicólogo e uma psicóloga, ambos behavioristas (ou seja, comportamentalistas), depois de fazerem amor olharam-se ternamente nos olhos. "Tu gostaste", informou ele. Enquanto lhe acariciava os longos cabelos, falou novamente: "E eu? Gostei?"

(Nota: para perceber a piada é preciso saber o que é o behaviorismo.)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Poema erótico de Bertold Brecht

O COITO E A SAUNA


Melhor é foder primeiro, e então banhar.
Esperas que, curva, sobre o balde se ajeite
O traseiro nu miras com deleite
E tocas-lhe entre as coxas a reinar.

Mantém-na em posição, mas logo após
Assento no piço lhe seja permitido
Se duche quiser na cona, invertido.
Depois, claro, seguindo nossos avós,

Serve ela no banho. As pedras põe a apitar
Com bátega rápida (que a água ferva)
Com tenra bétula te açoita e corado

Em balsâmico vapor mais esquentado
A pouco e pouco te deixas refrescar
Suando agora a fodança em caterva.

Bertold Brecht

Fingir

"Se os homens não querem que as mulheres  finjam orgasmos não devem fingir nos preliminares."
Autora desconhecida

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Desejo morto

As dores da doença e o enjoo provocado pelos tratamentos tinham-lhe matado o desejo. Tentou convencê-lo a ir para a cama com outra mulher, mas não conseguiu: ele recusava em silêncio e impedia-a de insistir acariciando-lhe os lábios com os seus dedos longos de pianista. Essa recusa encheu-a de lágrimas e ternura e multiplicou o amor que sentia por ele, mas foi insuficiente para reacender o desejo no seu corpo massacrado pelo sofrimento. Sabia que ele precisava de sexo quase tanto como ela precisava dos comprimidos para as dores (antes de adoecer faziam amor três ou quatro vezes por dia) e observava uma certa agitação e tensão nos seus gestos, escondidas atrás da atenção e solicitude constante que ele lhe dedicava.
Pediu para ele se deitar ao lado dela na estreita cama do quarto privativo da Clínica Oncológica. Acariciou-lhe o peito peludo com carinho, mas sem o frenesim insaciável de outrora. Depois a sua mão percorreu o caminho que tão bem conhecia e foi acariciar o surpreendido e flácido pénis. Apesar do inicial protesto dele, o membro tão esquecido e negligenciado nas últimas semanas reagiu prontamente com uma compacta erecção. A sua mão magra, mas não esquecida da antiga sabedoria, desapertou rapidamente os botões e tirou o animal renascido para fora. Não olhou, para não aumentar ainda mais a mágoa e a culpa desesperada que a ausência de desejo a faziam sentir. Fez os movimentos que a memória das acções passadas lhe recomendou e, apesar da sua falta de calor, foi bem sucedida. O pénis inchou de excitação na sua mão fechada e pouco depois recompensou o seu esforço com uma abundante ejaculação, acompanhada de um crescendo de gemidos de prazer.
“Obrigado”, disse ele com uma pontinha de vergonha, enquanto limpava o esperma com uma toalha. “Obrigada eu, meu amor! Obrigada por existires!”, respondeu ela.

sábado, 3 de julho de 2010

Há coisas que não são eróticas

Desde que, há oito anos, fora viver naquela casa, Tomé - com a ajuda dos seus binóculos de observar pássaros - conseguira várias vezes ver um vizinho do prédio a ter relações sexuais. Com a esposa, com a irmã e com as filhas, que eram raparigas de dezassete ou dezoito anos e que agora já iam nos vinte e tais. Nunca passaria pela cabeça de Tomé ir para a cama com a irmã, apesar de esta ser dona de uma sensualidade esplendorosa, nem com as filhas, se as tivesse. Mesmo assim, aos seus olhos, o facto dos amantes que espreitava terem laços de parentesco acrescentava um delicioso travo de coisa proibida às cenas e parecia reforçar o seu erotismo e atracção. Mas um dia Tomé observou algo inédito e chocante: a parceira de coito do vizinho da frente era uma criança. Focou melhor os binóculos e reconheceu-a: era uma das netas do homem e não devia ter mais de sete anos. Aquelas lentes tinham custado uma fortuna, mas conseguiam mostrar com nitidez as cores de um pássaro a muitas dezenas de metros. E agora conseguiam impedir que a distância escondesse as lágrimas da menina do olhar consternado de Tomé. Este pousou os binóculos, pegou no telemóvel e telefonou para a Polícia. Enquanto esperava que a chamada fosse atendida murmurou para si próprio: “Merda! Há coisas que não se fazem! Há coisas que… Há coisas que não são eróticas!”

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Qual dos dois tem razão?

“O Belo é difícil.”
Platão

“Com o correr dos anos, observei que a beleza, tal como a felicidade, é frequente. Não se passa um dia em que não estejamos, um instante, no paraíso. Não há poeta, por medíocre que seja, que não tenha escrito o melhor verso da literatura, mas também os mais infelizes. A beleza não é privilégio de uns quantos nomes ilustres.”
Jorge Luís Borges, “Los Conjurados”