O simpático vizinho divorciado de Maria voltou a convidá-la para sair e ela voltou a recusar e a sentir-se infeliz e miserável por ter recusado. Passou horas a beber no canto escuro de um bar e quando saiu para a rua mal se segurava de pé. Cambaleava, tropeçava nos próprios pés e caiu algumas vezes.
Estimulado pela bebedeira, mas proveniente das zonas mais profundas da mente, um estranho impulso de sujar, destruir e magoar tomou conta de Maria. Quando uma turista inglesa se debruçou sobre ela para a ajudar a levantar, após uma das quedas, Maria chamou-lhe “bitch” e apalpou-lhe os fartos seios com violência. A mulher deu um passo atrás, surpreendida e assustada, e afastou-se fazendo um gesto de desdém. Maria levantou-se, frustrada porque nenhum dos transeuntes parecia ter-se apercebido do que ela tinha feito.
"Merda de psicólogo! Ele que se vá foder com as suas teorias! Desejo de morte e destruição a puta que o pariu! Thanatos deve mas é ser nome de cão em grego!" - Pensou a mente confusa e etilizada de Maria.
Viu um homem de vinte e poucos anos a empurrar um carrinho de bebé e, aproximando-se por trás, apalpou-lhe o traseiro e o pénis. Quando este se voltou, surpreendido e pálido, deu-lhe uma bofetada e disse para uma estupefacta vendedora ambulante de flores: “Porra! Tem uma picha tão pequena que … hic! não sei como conseguiu fazer um filho!”
Caminhou pela rua abaixo num passo trôpego e aproximou-se de dois homens de meia-idade que conversavam enquanto iam folheando o jornal. Depois de pronunciar um alcoolizado boa tarde, Maria disse: “Ontem ouvi as vossas mulheres a conversar com algumas amigas… Hic! Contaram que vocês, seus pandeleiros de merda, não conseguiam satisfazê-las na cama. Elas achavam que a culpa era da cerveja e do futebol, mas as amigas explicaram-lhes que vocês são dois grandes maricas e que andam a enrabar-se um ao outro e… Hic! Agora toda a cidade sabe! Seus maricas!” Estas últimas palavras foram ditas a gritar, pelo que diversas pessoas olharam para Maria com curiosidade e reprovação. Os dois homens olharam um para o outro e afastaram-se dela, dizendo que ela “além de bêbeda deve ser maluca”. As pessoas que estavam por perto concordaram: “sim, está com os copos e é maluca”. Maria olhou-as com um ar enraivecido e chamou-lhes “filhos da puta brochistas” e depois caiu outra vez. Ninguém se aproximou para a ajudar.
Quando se levantou foi acometida por uma grande convulsão e vomitou. Ficou com os sapatos e o vestido todos sujos, mas nem olhou. Foi andando ao acaso pela rua, cabisbaixa e com as lágrimas a correrem-lhe em cascata. Encostou-se a uma parede e voltou a vomitar. As pessoas que passavam abanavam a cabeça e desviavam o olhar. Maria via-as através das lágrimas mas não disse mais nada. Quando recomeçou a andar em direcção a casa esbofeteou-se a si própria quatro vezes e com tanta força que um fio de sangue começou a escorrer do canto da boca. O impulso destrutivo tinha-se virado contra ela. Aproximou-se de uma carrinha estacionada no passeio e sem que ninguém visse bateu com a cabeça contra o metal. O sangue começou também a escorrer do nariz. Meteu por uma rua escura e quase deserta e antes de chegar a casa voltou a esbofetear-se. O vómito, as lágrimas e o sangue colavam-lhe o vestido de linho ao corpo. Se alguém olhasse com atenção suficiente talvez conseguisse ver, para além da repugnante sujidade, a beleza e a sensualidade.