PISTAS PARA O TESOURO

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Thanatos: o desejo de destruição

O simpático vizinho divorciado de Maria voltou a convidá-la para sair e ela voltou a recusar e a sentir-se infeliz e miserável por ter recusado. Passou horas a beber no canto escuro de um bar e quando saiu para a rua mal se segurava de pé. Cambaleava, tropeçava nos próprios pés e caiu algumas vezes.
Estimulado pela bebedeira, mas proveniente das zonas mais profundas da mente, um estranho impulso de sujar, destruir e magoar tomou conta de Maria. Quando uma turista inglesa se debruçou sobre ela para a ajudar a levantar, após uma das quedas, Maria chamou-lhe “bitch” e apalpou-lhe os fartos seios com violência. A mulher deu um passo atrás, surpreendida e assustada, e afastou-se fazendo um gesto de desdém. Maria levantou-se, frustrada porque nenhum dos transeuntes parecia ter-se apercebido do que ela tinha feito.
"Merda de psicólogo! Ele que se vá foder com as suas teorias! Desejo de morte e destruição a puta que o pariu! Thanatos deve mas é ser nome de cão em grego!" - Pensou a mente confusa e etilizada de Maria.
Viu um homem de vinte e poucos anos a empurrar um carrinho de bebé e, aproximando-se por trás, apalpou-lhe o traseiro e o pénis. Quando este se voltou, surpreendido e pálido, deu-lhe uma bofetada e disse para uma estupefacta vendedora ambulante de flores: “Porra! Tem uma picha tão pequena que … hic! não sei como conseguiu fazer um filho!”
Caminhou pela rua abaixo num passo trôpego e aproximou-se de dois homens de meia-idade que conversavam enquanto iam folheando o jornal. Depois de pronunciar um alcoolizado boa tarde, Maria disse: “Ontem ouvi as vossas mulheres a conversar com algumas amigas… Hic! Contaram que vocês, seus pandeleiros de merda, não conseguiam satisfazê-las na cama. Elas achavam que a culpa era da cerveja e do futebol, mas as amigas explicaram-lhes que vocês são dois grandes maricas e que andam a enrabar-se um ao outro e… Hic! Agora toda a cidade sabe! Seus maricas!” Estas últimas palavras foram ditas a gritar, pelo que diversas pessoas olharam para Maria com curiosidade e reprovação. Os dois homens olharam um para o outro e afastaram-se dela, dizendo que ela “além de bêbeda deve ser maluca”. As pessoas que estavam por perto concordaram: “sim, está com os copos e é maluca”. Maria olhou-as com um ar enraivecido e chamou-lhes “filhos da puta brochistas” e depois caiu outra vez. Ninguém se aproximou para a ajudar.
Quando se levantou foi acometida por uma grande convulsão e vomitou. Ficou com os sapatos e o vestido todos sujos, mas nem olhou. Foi andando ao acaso pela rua, cabisbaixa e com as lágrimas a correrem-lhe em cascata. Encostou-se a uma parede e voltou a vomitar. As pessoas que passavam abanavam a cabeça e desviavam o olhar. Maria via-as através das lágrimas mas não disse mais nada. Quando recomeçou a andar em direcção a casa esbofeteou-se a si própria quatro vezes e com tanta força que um fio de sangue começou a escorrer do canto da boca. O impulso destrutivo tinha-se virado contra ela. Aproximou-se de uma carrinha estacionada no passeio e sem que ninguém visse bateu com a cabeça contra o metal. O sangue começou também a escorrer do nariz. Meteu por uma rua escura e quase deserta e antes de chegar a casa voltou a esbofetear-se. O vómito, as lágrimas e o sangue colavam-lhe o vestido de linho ao corpo. Se alguém olhasse com atenção suficiente talvez conseguisse ver, para além da repugnante sujidade, a beleza e a sensualidade.

sábado, 26 de junho de 2010

Geografia sentimental

"Sem desfazer do cu, a cona e as mamas da minha mulher são os lugares mais bonitos do mundo!"
Manuel Caracoleta, 56 anos, pedreiro, apreciador de cerveja e futebol.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

A necessidade do amor infeliz

“O amor feliz não tem história. Só existem romances de amor mortal, isto é, do amor ameaçado e condenado pela própria vida. O que exalta o lirismo (…) não é o prazer dos sentidos nem a paz fecunda do casal. É menos o amor realizado que a paixão de amor. E paixão significa sofrimento. Eis o facto fundamental.”
Denis de Rougemont, O amor e o Ocidente

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Fuga para a frente

Um psicólogo explicou um dia a Maria que ela não estabelecia relações afectivas estáveis e mudava constantemente de parceiro sexual para camuflar a falta de auto-estima e o medo de ser rejeitada. Era uma predadora sexual que abordava homens desconhecidos e os convidava abruptamente a ir para a cama apenas porque se achava feia e temia que ninguém se interessasse por ela e a amasse verdadeiramente. Como se fugisse para a frente, concluiu o psicólogo com um sorriso compreensivo. Sem pensar duas vezes, Maria disse-lhe que estava enganado e abandonou tão precipitadamente o consultório que se esqueceu de pagar a consulta.
Foi nessa saída precipitada que pensou quando, meses mais tarde, o seu simpático vizinho do lado esquerdo, um bonito divorciado de trinta e tal anos, a convidou para sair. Maria gostou do seu sorriso simpático embora levemente irónico e adorou o modo atrapalhado como ele disse “…ver um filme ou jantar… ou ambos”, mas disse que não podia e inventou uma mentira gaguejada e implausível que envolvia excesso de trabalho e dores de cabeça.
Maria saiu quase a correr do elevador e fechou a porta de casa atrás de si com uma força que não sentia, odiando-se por ter dito que não. Não sabia porque tinha recusado, mas ao pensar nisso as palavras do psicólogo invadiam-lhe a mente e tapavam os outros pensamentos. Começou por ficar irritada - “parvo do psicólogo”, disse em voz alta -, mas em poucos minutos a raiva transformou-se em tristeza e as lágrimas começaram a deslizar devagarinho pela cara abaixo. Maria, que raramente chorava e tinha fama de cruel, deixou-se cair em cima de sofá com um copo de whisky na mão.

sábado, 19 de junho de 2010

Solidão

"Sinto-me tão sozinha", disse Maria ao chegar ao pé do mar. Havia quatro dias que não falava com ninguém e dois dias que não tinha relações sexuais, nem sequer consigo mesma.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Mercearia de bairro

Tomé nem queria acreditar: a dona Fátima da mercearia estava meio deitada sobre os sacos de batatas e João Calado, o rapaz negro que ia entregar as hortaliças que ela comprava na horta do velho Espraguina,  penetrava-a por trás. Tomé ficou a espreitar, escondido atrás da prateleira das massas e do arroz. "Com  força, enfia com força", gemia ela. Quando, depois de alguns gemidos mais intensos, o rapaz se desenfiou e dona Fátima se levantou, Tomé saiu silenciosamente para a rua. Dois minutos depois voltou a entrar, com um sonoro "boa tarde" a acompanhar o segundo passo. Viu diante de si o rapaz, que não tinha mais de 16 anos ("o sortudo do preto", pensou Tomé, com simpatia), carregando duas caixas vazias. Por seu turno, dona Fátima varria a mercearia: jogava a vassoura debaixo das prateleiras com um ar tão atarefado e compenetrado que parecia estar a fazer aquilo há pelo menos uma hora. 

terça-feira, 1 de junho de 2010

Futebol de ataque

Maria observou com atenção os vários rapazes que estavam a jogar à bola. Eram quase todos ainda crianças e não lhe interessavam, mas o mais velho já tinha certamente 17 ou mesmo 18 anos. Era alto, bastante musculado, muito loiro e bonito. "Lindo de morrer", pensou Maria. Estava em tronco nu e o suor escorria pela sua pele morena, sobre os músculos bem delineados. Encharcados em suor, os calções colavam-se à pele e não escondiam o robusto volume viril entre as ágeis pernas. Quando o rapaz saiu do campo e tirou uma garrafa de água da mochila, Maria  aproximou-se impetuosamente dele e disse-lhe sem rodeios: "Jogas bem futebol, mas aposto que nunca estiveste com uma mulher. Queres fazer amor comigo?" O rapaz, atónito, balbuciou: "O quê?!" Maria atacou novamente e respondeu  numa linguagem directa que não é usual utilizar com desconhecidos, mormente se o assunto é sexual: "Fazer amor comigo! Ir para a cama, foder... Queres?"